O extrativismo sobrevive

Produtos da floresta mantêm comunidade tradicional no Acre

Atividade se manteve durante décadas (Foto Fabiana Chaves)

Extração de látex resiste há décadas
(Foto Fabiana Chaves)

Após o declínio da economia da borracha os seringais da Amazônia foram abandonados ou vendidos a preços baixos. Seringueiros e seringalistas ficaram sem perspectiva econômica e tiveram de deixar a zona rural da Amazônia. Durante as décadas de 1970 e 1980, a região mudou de perfil, recebendo fazendeiros e camponeses do sul do país. Contudo, alguns seringais sobreviveram extraindo látex, atividade que permanece até hoje.

Várias formas de administrar os seringais surgiram entre as décadas de 1940 e 1980. Algumas pessoas que viviam da extração da borracha se organizaram em pequenos coletivos para continuar trabalhando sem patrão. Apesar dos preços baixos e da dificuldade em comercializar o látex, para alguns pesquisadores a situação dos trabalhadores melhorou muito após o final do último surto econômico da borracha. Os extrativistas adquiriram autonomia para o uso da terra e puderam ter seu próprio ritmo de trabalho. Esse foi o caso do Seringal Cachoeira, localizado no município de Xapuri (AC).

Seringueiros começaram a trabalhar sem patrão (Foto Fabiana Chaves)

Seringueiros começaram a trabalhar sem patrão
(Foto Fabiana Chaves)

Segundo os moradores da comunidade, o seringalista local (dono do seringal) havia deixado de explorar o látex, mas não impedia que os seringueiros o fizessem. Porém, devido à pouca lucratividade, as terras foram vendidas a um fazendeiro que tinha em vista transformar a área em pasto. Este tipo de política foi amplamente difundida pelo governo federal para incentivar a ocupação da região após o declínio da exploração de borracha.

Desse período até a transformação do Seringal Cachoeira em parte integrante do Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes (PAE Chico Mendes), em 1989, houve muita disputa pela posse da terra. Foi a época dos “empates”, manifestações em que os seringueiros e suas famílias impediam o desmatamento ao se colocarem em frente às máquinas que promoviam as derrubadas. Chico Mendes foi uma das lideranças desse movimento.

Sebastião: maioria das famílias é de seringueiro  (Foto Meyre Campos)

Sebastião: maioria das famílias é de seringueiro
(Foto Meyre Campos)

Hoje, no Seringal Cachoeira vivem cerca de 90 famílias. A base de geração de renda da comunidade são as atividades extrativistas. A maioria das famílias sobrevive da extração manejada de madeira e de látex, mas também da coleta de açaí, do patoá, de bacaba e de castanha. Atualmente, o Seringal Cachoeira é o maior produtor de borracha da região, com cerca de 3 mil litros de látex por semana. Toda a produção da comunidade é vendida para a fábrica de preservativos masculinos Natex, empresa estatal situada em Xapuri.

Sebastião Mendes foi extrativista por quatro décadas. Hoje, aos 66 anos, ele não pode mais trabalhar, mas fica feliz em saber que o ofício de seringueiro continua forte entre as novas gerações: “tem gente que acha que o trabalho de tirar borracha não existe mais, que é coisa antiga. Besteira! Aqui a maioria das famílias é de seringueiro. Tem muito mais incentivo hoje, os preços de borracha estão melhores. Tem muito moleque aí que já sabe tirar látex e trabalha nisso”.

BARBOSA: “melhorou muito” (Foto Meyre Campos)

Barbosa: “melhorou muito”
(Foto Meyre Campos)

Francisco Oliveira Barbosa é um dos mais novos seringueiros do Cachoeira. Com 21 anos, opta por trabalhar no mesmo ofício que os pais e os avós. Segundo ele, além de gostar do que faz, hoje em dia os preços da borracha estão melhores, permitindo que ele possa se manter na comunidade: “minha renda é em média uns 800 reais por mês. Em vista do que os mais antigos falam, melhorou muito. Agora a gente recebe quinzenalmente, o que facilita as compras. Antes o salário vinha por semana, aí tinha que ir até a cidade um monte de vezes pra ir comprando as coisas os poucos”.

De acordo com Nazaré Vieira Mendes, presidente da Associação dos Moradores e Produtores do PAE Chico Mendes, cada família chega a receber por ano em torno de seis mil reais com a extração da seringa (borracha). “Pode parecer pouco, mas há dez anos era apenas uns 900 reais por ano”, diz.  Há dez anos, o preço da borracha era de setenta centavos o quilo e hoje chega a sete reais e oitenta centavos, devido aos subsídios oferecidos pelos governos federal e estadual.

Fábrica compra todo o látex do seringal (Foto Fabiana Chaves)

Natex: fábrica compra todo o látex do seringal
(Foto Fabiana Chaves)

Sebastião Mendes afirma que depois da implantação da Natex, muitas coisas mudaram. “O preço melhorou e o incentivo também, pois agora a fábrica compra o leite sem precisar que o seringueiro realize a defumação, beneficiando com menos serviço e pagando mais. Hoje temos uma associação e trabalhamos por conta própria”, salienta.

A extração de borracha, apesar de ser a atividade mais praticada na comunidade do Cachoeira, não é a única fonte de renda. Existem as demais atividades extrativistas e, recentemente, os trabalhos ligados ao turismo, que complementam o orçamento da população (veja abaixo reportagens sobre pousada e circuito de arborismo no PAE Chico Mendes).

A organização do seringal

Nilson Mendes trabalhou muitos anos como seringueiro e hoje é guia turístico da comunidade, além de ser uma das lideranças locais. Ele explica sobre a peculiar organização do seringal: “um seringal é uma área de terra bem grande, do tamanho de uma fazenda. Só que no seringal a floresta é preservada, pois é dela que vem a renda do seringueiro. Essa área toda é dividida em várias colocações, que são pedaços de terra menores que ficam na responsabilidade de uma família de seringueiros. É esta família que tira toda a borracha daquele pedaço”.

Cada colocação possui de três a seis estradas de seringa (as estradas são estreitas, lembrando uma trilha). A casa do extrativista e as plantações de subsistência ficam no centro, rodeadas pela floresta. As estradas são trilhas circulares de seringueiras, que começam e terminam no mesmo ponto. Cada estrada tem em média 160 seringueiras.

Segundo Francisco Barbosa, cada estrada de seringa tem um nome para ajudar na localização do seringueiro. “Todas as estradas tem um nome, porque muitas vezes o seringueiro sai para cortar sozinho, e às vezes é preciso ir até onde a pessoa está. Ou então, quando dá a hora da pessoa chegar e ela não chega, vamos até a estrada procurá-la”, afirma.

Algumas estradas são interligadas em forma de zigue-zague e outras por meio de varadouros, caminhos que ligam uma estrada a outra. Geralmente uma ou duas das estradas de seringa levam à casa do seringueiro, no centro da colocação, permitindo ao seringueiro ir até sua casa almoçar. “Mas isso é difícil, pois na maioria das vezes o seringueiro faz suas refeições dentro da mata, no meio da varação ou no final da estrada”, conta Nilson Mendes.

Borracha: seringais são divididos em colocações (Foto Fabiana Chaves)

Borracha: seringais são divididos em colocações
(Foto Fabiana Chaves)

Desde a época dos ciclos da borracha até hoje, o método de extração e os instrumentos de trabalho permanecem os mesmos. O trabalho é dividido em dois turnos: um de extração e outro de recolhimento. “Começa-se pela perna direita… A perna direita é a estrada por onde se inicia a extração e vai acompanhando o caminho de zigue-zague das seringueiras na floresta. Nessa parte do trabalho, são feitos os sulcos nos troncos. Ao final, faz-se o rodo, ou seja, o retorno, voltando pela perna esquerda e recolhendo o leite da produção. A perna esquerda é um caminho mais curto pra buscar a seringa”, explica Sebastião.

Segundo Nilson, uma seringueira precisa ter pelo menos 20 anos para começar a produzir látex e, se bem cuidada, produz seringa pelo resto de sua vida. Uma das formas de manter a vida útil da árvore é a realização uma espécie de rodízio semanal na utilização das seringueiras.

Em janeiro, coleta de castanha domina a economia local (Foto Fabiana Chaves)

Em janeiro, castanha domina a economia local
(Foto Fabiana Chaves)

Anualmente, de agosto a outubro, a seringueira perde suas folhas e produz frutos para a proliferação da espécie, um processo natural. “Neste período o leite sofre uma coagulação mais rápida e nós paramos de tirar, pra respeitar o tempo da árvore”, diz Nilson. Outro momento de paralisação das atividades é na segunda quinzena de janeiro, quando a coleta de castanha passa a ser o carro chefe da economia local.

“Todas as atividades que praticamos aqui são em harmonia com a floresta e os bichos. Quando o seringueiro trabalha na mata, ele é parte dessa mata e convive bem com ela. Ele tem que conhecer as plantas, os bichos. Os bichos também passam a conhecer ele. Esse trabalho ajuda a preservar a floresta, como dizia o Chico”, ressalta Nilson.

Texto final: Fabiana Chaves

Edição: Fabiana Chaves e Maurício Bittencourt

Reportagem: Meyre Campos

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