Na copa das árvores

Maior circuito de arborismo da Amazônia situa-se em comunidade extrativista

A 25 metros de altura  (Foto Fabiana Chaves)

A 25 metros de altura
(Foto Fabiana Chaves)

No alto de uma castanheira centenária começa o Circuito de Aventura Chico Mendes, situado no Assentamento Agroextrativista Chico Mendes (PAE Chico Mendes/INCRA), em Xapuri (AC). Com mais de 600 metros de extensão a 25 metros de altura, trata-se do maior e mais alto circuito de arborismo da Amazônia.

Construído em uma área de sete hectares, o circuito conta com passeio ciclístico, ascensão em árvores, rapel, arborismo acrobático, arborismo contemplativo e tirolesa. Todo o trabalho de apoio é realizado por moradores que receberam treinamento e trabalham como instrutores. A atividade soma-se aos serviços ofertados pela Pousada Ecológica Seringal Cachoeira, localizada num dos seringais que integram o PAE (veja reportagem abaixo).

“Aqui nós não precisamos de muito, a floresta é nosso ganha-pão, se a gente deixasse derrubar a floresta, vendesse nossas terras, a gente viveria de quê? Essas novidades todas de turismo também só existem porque a floresta está aqui”, afirma Nilson Mendes, um dos líderes comunitários do Seringal Cachoeira.

Equipe de instrutores é formada por moradores (Foto Glauco Capper)

Equipe de instrutores é formada por moradores
(Foto Glauco Capper)

Parceria

O projeto do Circuito de Aventura surgiu por meio de uma parceria entre a comunidade e o governo do estado do Acre. “Nós já tínhamos a pousada funcionando, as trilhas, mas ainda faltava uma atração maior, algo que fosse um diferencial e que pudesse gerar mais renda para a comunidade, sem devastar”, conta Fernanda Mendes, administradora da Pousada Ecológica Seringal Cachoeira.

Em 2010, o projeto começou a ser pautado nas reuniões da secretaria estadual de turismo (Setul). Daí em diante, firmaram-se diversas parcerias para que a construção do circuito saísse do papel. O primeiro passo foi pedir permissão ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), responsável pelo assentamento. Foram realizadas várias reuniões entre a comunidade e o INCRA, e, após o consentimento unânime da população local, as obras foram iniciadas. Outra parceria importante foi com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que liberou 100 mil reais para a execução do projeto.

Com as verbas e iniciativas firmadas, faltava definir onde o circuito seria construído. Por meio de um acordo, dois moradores cederam parte de suas terras para a implementação da obra. “Era para melhorar a renda das pessoas aqui”, afirma Duda Mendes, um dos cedentes. Em parceria com a Setul, foi contratada a empresa Ecoventure, de Campinas (SP), para a montagem da estrutura do circuito.

Estrutura foi montada sem prejudicar as árvores (Foto Glauco Capper)

Estrutura foi montada sem prejudicar árvores
(Foto Glauco Capper)

Após a realização de um longo estudo da área por uma equipe técnica formada por engenheiros, geógrafos e integrantes da Ecoventure, o local de construção do circuito de aventura foi mapeado. Elaborou-se um projeto para a utilização das árvores de modo a não prejudicá-las. Mesmo com as fortes chuvas do final do ano de 2011 e início de 2012 foi possível terminar a obra em fevereiro de 2012. A inauguração ocorreu em 31 de março do mesmo ano.

Foram mais de 400 mil reais investidos para colocar o circuito em pleno funcionamento, desde a parte técnica e estrutural até o treinamento de pessoal. Inaugurava-se o maior e mais alto circuito de arborismo da Amazônia.

O diferencial do Circuito de Aventura Chico Mendes é a forma como foi elaborada sua construção, primando por não prejudicar as árvores. Nenhum dos cabos de aço usados como base para as plataformas entra em contato direto com as árvores. Os troncos são protegidos por calços de madeira. Nenhuma árvore foi furada, o que poderia prejudicar seu crescimento. Ao invés de furos, foram utilizados parafusos que podem sempre ser reajustados.

Região quase virou pasto na década de 1980 (Foto Glauco Capper)

Região quase virou pasto na década de 1980
(Foto Glauco Capper)

No período de realização da obra, 20 pessoas se interessaram em realizar capacitação para se tornarem instrutores do circuito. O curso teve duração de 120 horas, incluindo aulas práticas e teóricas de segurança, primeiros socorros e resgates. Valdeilto Pereira da Silva, 32, participou desse grupo e afirma que “infelizmente nem todos conseguiram concluir o treinamento, pois uns ficaram com muito medo de altura e outros tiveram que sair da comunidade por motivos de estudo”. Hoje, o circuito possui 10 instrutores.

Valdeilto, que nasceu no seringal, trabalha no circuito desde que foi inaugurado. O instrutor conta que trabalhou no manejo por cerca de cinco anos, e que não sente saudade: “hoje estou satisfeito e não penso em me mudar para a cidade, o que antes eu pensava. Sou instrutor geralmente só nos finais de semana e posso fazer outras coisas aqui dentro durante a semana”.

Renê Mendes Vieira, 19, também é instrutor. Antes, ajudava o pai na plantação e na coleta de castanha e açaí. “Gosto do trabalho no circuito porque não preciso sair da comunidade.” Everton Paiva, coordenador do circuito, é natural de Rio Branco, capital do Acre. “Fiz o curso de instrutor e gosto do trabalho. Não penso em voltar para Rio Branco, aqui a vida é bem melhor”, conta.

Segurança

Todas as atividades são realizadas com equipamentos de segurança e acompanhamento dos instrutores. Os turistas passam por um treinamento ainda no solo. Nele, os monitores ensinam como utilizar os cabos para se mover entre os obstáculos e checam cadeirinha, mosquetão, capacete e luva. “Nós também pedimos que as pessoas preencham uma ficha antes de ir. Perguntamos se tem problemas cardíacos ou respiratórios, por exemplo”, relata Paiva.

Turistas recebem treinamento no solo (Foto Glauco Capper)

Turistas recebem treinamento no solo
(Foto Glauco Capper)

O circuito passa por manutenções periódicas de segurança: vistorias diárias, inspeção quinzenal e ajustes bimestrais por técnicos da Ecoventure. De seis em seis meses o circuito para, a fim de realizar uma manutenção geral.

Depois da inauguração do Circuito de Aventura Chico Mendes, a procura pelo Seringal Cachoeira aumentou. “Muita gente se sentiu atraída por conta do circuito. Temos recebido grupos grandes e todos perguntam pelo arborismo”, conta Fernanda Mendes.

Uma turma de 40 alunos do Curso de Turismo da Universidade Andina de Cuzco visitou a comunidade. Eles vieram por meio de um projeto do professor Leone Fuentes, com a proposta de conhecer rotas turísticas diferenciadas. O professor afirmou que o Acre não poderia ficar fora dos roteiros, pois “aqui tem um tipo de desenvolvimento muito específico. É o verdadeiro desenvolvimento sustentável através do turismo”. Gonzalo Aedo, um de seus alunos, ficou fascinado com o arborismo e encantado com a estrutura do seringal: “não se encontra isso em outro lugar”.

Texto final: Fabiana Chaves

Edição: Fabiana Chaves e Maurício Bittencourt

Reportagem: Glauco Capper e Jeniffer Bruschi

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